O medo que sabota o amor: por que fugimos do que mais queremos?

“My boy only breaks his favorite toys”

– Taylor Swift

Você sonha com o amor, deseja um vínculo profundo, viver a intimidade e ser amado de verdade, mas quando tudo isso começa a se tornar próximo da realidade, algo dentro de você recua. Talvez você não perceba no começo: vem na forma de dúvidas, críticas ao outro, uma vontade inexplicável de se afastar, ou aquela sensação de sufoco que faz você procurar espaço. Em outros momentos, é o oposto: você se entrega rápido demais, se agarra, tenta garantir a presença do outro a qualquer custo e acaba sufocando o que poderia ser leve.

Mas o que está por trás disso?
O que faz tantos de nós sabotar o amor antes mesmo que ele tenha a chance de florescer?
A resposta está em dois mecanismos que estão intimamente ligados e que ativamos institivamente: o medo e a necessidade de controle.

O medo de se machucar, de se perder, de se tornar vulnerável. O medo do abandono, da rejeição, de não ser suficiente. Para se proteger, você tenta controlar: controlar o outro, os sentimentos, o ritmo da relação, os cenários possíveis, como se fosse possível amar sem se arriscar. E nessa tentativa de evitar a dor, você acaba evitando o próprio amor.

Neste texto, vamos mergulhar no que a neurociência e a teoria do apego nos mostram sobre esse ciclo: como o medo e o desejo de controle se enraízam no corpo e na mente, sabotam os relacionamentos e nos afastam daquilo que mais queremos.

E, sobretudo, vamos começar a pensar juntos: como sair desse padrão?

Nossos primeiros moldes de amor

A forma como amamos nossos parceiros é moldada nos nossos primeiros anos de vida, John Bowlby, psicólogo e psiquiatra britânico, criador da teoria do apego, iniciou pesquisas de observação e do impacto que os vínculos primários causam na nossa vida emocional e relacional. Em termos práticos, Bowlby postulou que a forma como estabelecemos vínculo com nossos cuidadores nos primeiros meses e anos de vida servirão como um molde, um modelo interno, que vai orientar a forma como buscamos, interpretamos, construímos e mantemos as relações ao longo da vida.

Bowlby mostrou que, desde o início da vida, o modo como nossos cuidadores respondem (ou não) às nossas necessidades forma a base de como vamos nos vincular no futuro. Se fomos acolhidos com consistência, desenvolvemos um apego seguro: aprendemos que o amor é confiável, não ameaça. Mas se as respostas foram falhas, imprevisíveis ou frias, nasce o apego inseguro, que pode se apresentar de diferentes formas:

  • Apego ansioso / preocupado: quem teme o abandono, sente que precisa se esforçar para ser amado e vive em alerta para qualquer sinal de rejeição. O outro vira a fonte de salvação, e a relação, um campo de hiper-vigilância e carência.

  • Apego evitativo / desdenhoso: quem aprendeu que depender do outro machuca e, por isso, valoriza a autonomia acima de tudo. Evita intimidade, foge da entrega e desconfia da necessidade do vínculo, porque amar é arriscar perder o controle.

  • Apego desorganizado / temeroso-evitante: quem carrega dentro de si o paradoxo: deseja o amor, mas também o teme. Aproxima-se e se afasta, busca e rejeita, porque a experiência do vínculo primário foi fonte tanto de cuidado quanto de dor ou medo.

Em todos os casos, o fio condutor é a idealização inicial e em seguida o medo da vulnerabilidade: o medo de se machucar, de não ser suficiente, de depender e ser deixado. Para anestesiar esse medo, criamos estratégias: controlar, evitar, demandar. Mas todas essas estratégias nos deixam mais longe do que queremos: a experiência genuína de amar e ser amado.

Por mais que a cultura contemporânea tente nos vender a ideia de um amor seguro, previsível, sem dores ou incertezas, amar continua sendo abrir a guarda: é admitir que o outro pode nos afetar profundamente. Não por acaso, o amor, e mais ainda o compromisso, ativa um dos sistemas mais antigos do nosso cérebro: o sistema do medo.

Por que tantos, hoje, parecem evitar o amor ou se perder em relações marcadas por controle, ambivalência e afastamento? O famoso ghosting ou o relacionamentos tóxicos que vem e vão a todo momento. Por que os estilos de apego ansioso, evitativo e desorganizado predominam sobre o seguro? Para entender, é preciso olhar para as raízes biológicas e relacionais do medo.

O sistema do medo: Quando o amor vira ameaça

Jaak Panksepp (1998), no marco da neurociência afetiva, identificou no cérebro mamífero sete sistemas emocionais primários, entre eles o FEAR e o PANIC/GRIEF, fundamentais para entender as respostas de defesa e de apego no ser humano. Ambos são circuitos evolucionariamente antigos, programados para promover a sobrevivência. Mas eles operam com funções distintas e ativam comportamentos diferentes diante do perigo e da perda.

O sistema FEAR

O sistema do medo FEAR está associado à detecção e resposta a ameaças externas. É ele quem ativa os comportamentos de defesa como luta, fuga ou congelamento diante de um predador ou perigo ambiental. Esse sistema é mediado principalmente por estruturas como a amígdala, o hipotálamo e o mesencéfalo (região da substância cinzenta periaquedutal), e prepara o organismo para evitar a destruição física.

No ser humano, além dos perigos físicos, o FEAR pode ser disparado por ameaças simbólicas, como rejeição, julgamento ou exposição emocional — especialmente em pessoas com história de vínculos inseguros.

O sistema PANIC/GRIEF

O sistema PANIC/GRIEF é o circuito do protesto de separação e do luto social. Ele evoluiu para garantir que filhotes (e indivíduos sociais) busquem manter proximidade com suas figuras de apego. Quando ocorre separação ou perda, esse sistema se ativa, gerando comportamentos de busca, choro e dor emocional, para restaurar o vínculo perdido.

As áreas cerebrais envolvidas incluem o córtex cingulado anterior, o septo, e o sistema de opióides endógenos, que modulam a dor da ausência. É esse sistema que explica, por exemplo, a angústia diante do abandono e a dor psíquica da solidão.

A diferença entre FEAR e PANIC/GRIEF

FEAR reage ao perigo do ambiente; seu foco é evitar o dano físico.
PANIC/GRIEF reage à perda do vínculo; seu foco é restaurar a conexão social.

Embora ambos possam ser ativados em contextos de ameaça ao bem-estar, o FEAR nos afasta do que ameaça, enquanto o PANIC nos impele a buscar o outro. No contexto do apego, isso explica por que algumas pessoas fogem do amor como se ele fosse um predador (FEAR), enquanto outras se agarram ao outro como a única fonte de sobrevivência emocional (PANIC/GRIEF).

No contexto do amor, o perigo não é um predador à espreita. Mas o sistema do medo não distingue entre o leão na savana e a possibilidade de rejeição, abandono ou humilhação. Para quem traz na história de vida vínculos inseguros, cuidadores que foram fonte de dor, imprevisibilidade ou negligência, o amor ativa o alarme. O desejo de se conectar convive com a sensação de ameaça. E é aí que se instalam as estratégias do apego inseguro: ansioso, evitativo ou desorganizado.

  • Ansiosos: o medo da separação domina. O PANIC/GRIEF se ativa diante de pequenas ausências, alimentando o desejo de controlar o outro, estar sempre junto, garantir o amor a qualquer custo.

  • Evitativos: o medo da vulnerabilidade domina. O sistema FEAR reage à intimidade como se fosse um predador à espreita. O amor ativa defesas porque é percebido como perda de controle e risco de dor.

  • Desorganizados (Fearful avoidant): os dois sistemas disparam juntos. Amar é perigo e salvação ao mesmo tempo. Por isso oscilam entre se lançar no amor e fugir dele.

A teoria polivagal, de Stephen Porges, aprofunda essa compreensão mostrando que o sistema nervoso autônomo não apenas reage ao perigo, mas orquestra nosso modo de estar com o outro. Quando nos sentimos seguros, nosso sistema nervoso parassimpático, em especial o ramo ventral do nervo vago, nos permite relaxar, conectar, ouvir, tocar, olhar nos olhos. É o estado em que o amor pode nascer. É aquele sentimento que temos com alguém que te faz sentir “em casa”.

Mas quando o medo assume o controle, o corpo sai desse modo de conexão e entra em estado de defesa: luta, fuga ou colapso. O coração acelera, os músculos se tensionam, os sentidos se fecham, a escuta se torna seletiva ao que ameaça. O outro deixa de ser parceiro e vira potencial inimigo. E o amor se torna quase impossível, porque o sistema nervoso já se armou para sobreviver, não para se entregar.

No apego seguro:
O sistema PANIC/GRIEF é rapidamente desativado porque o cuidador responde ao protesto do bebê. O sistema FEAR é mobilizado só em reais situações de perigo.

No apego ansioso:
O sistema PANIC/GRIEF fica cronicamente ativado: o protesto é longo, porque o cuidador responde de modo imprevisível.

No apego evitativo:
O sistema PANIC/GRIEF é suprimido, e o FEAR domina: buscar o outro traz mais perigo do que conforto, então o bebê (e o adulto depois) inibe o protesto e se desliga emocionalmente para evitar a dor.

No apego desorganizado:
O sistema de apego e o de medo entram em conflito: o cuidador é simultaneamente fonte de segurança e de ameaça. O sistema FEAR e o sistema PANIC/GRIEF se ativam de forma confusa e contraditória. Causando os famosos comportamentos de aproximação e afastamento.

Como começar a sair do ciclo: o caminho possível

Se o medo e o desejo de controle nos afastam do amor, a saída não está em eliminar o medo, isso seria impossível e até indesejável. O caminho é aprender a reconhecê-lo, compreendê-lo e criar novas respostas diante dele. O amor exige prática, aprendizado, tempo e empenho, se você tem alguém que ama mas não sabe o que fazer com isso, o primeiro passo é abrir espaço para que algo diferente aconteça.

Aqui estão pontos fundamentais desse processo:

1. Reconheça o seu padrão de apego

O autoconhecimento é a base. Observe-se com honestidade: você se vê mais no padrão ansioso, evitativo, desorganizado? Quando você começa a se apaixonar por alguém, qual sua primeira reação?Quais são suas estratégias quando o medo de se apegar aparece? Você tenta se aproximar, foge, oscila?
Compreender o seu tipo de apego ajuda a dar nome às suas reações e a perceber quando está agindo no piloto automático.

2. Busque psicoterapia ou apoio especializado

Nossos padrões de apego são profundos e, muitas vezes, inconscientes. Um processo terapêutico pode ajudar a reorganizar essas estruturas e oferecer novos caminhos ao sistema nervoso.

3.Estabeleça relações saudáveis e limites claros

O amor se constrói no encontro com o outro. Cercar-se de pessoas que respeitam seus limites, que oferecem previsibilidade e cuidado, é fundamental para que o corpo aprenda o que Porges chama de neurocepção de segurança. Relações saudáveis são o solo onde podemos praticar o desapego do controle e a entrega progressiva.

4.Trabalhe sua capacidade de comunicação

Aprender a expressar o que sente, o que teme, o que precisa, sem agressividade ou retraimento, abre espaço para vínculos mais autênticos. A comunicação clara ajuda a diminuir o ruído que alimenta o medo e o desejo de controle.

5.Sente-se com o desconforto: abrace-o em vez de fugir ou dissociar

Essa talvez seja a prática mais transformadora. O amor real envolve desconforto: o desconforto da entrega, do risco, da incerteza. A solução não está em evitar esse desconforto, mas em permanecer com ele.
Quando sentir o medo surgindo, o impulso de fugir, de prender, de dissociar: pare, respire, sinta.
Escolha permanecer presente. É nesse espaço entre o medo e a ação automática que o novo pode nascer. É ali que o amor se constrói, um encontro verdadeiro com o outro e consigo.

Mas afinal, por que fugimos do que mais queremos?

Porque aquilo que mais queremos nos deixa expostos.
Porque o que mais desejamos tem o poder de nos ferir, de nos mostrar onde somos frágeis, de desarmar nossas defesas mais antigas. Porque o amor verdadeiro nos obriga a sair do controle e nos pede entrega e presença. Fugimos porque amar é arriscar. Porque, ao desejar o outro de verdade, nos tornamos vulneráveis à perda, à rejeição, à incerteza. Fugimos porque a entrega exige coragem e muitas vezes passamos a vida acreditando que é mais seguro permanecer atrás das muralhas.

Amar não é controlar para não sofrer. É aprender a ficar, mesmo quando o medo aparece. Porque é só assim que o amor se torna possível.

Como escreveu Guimarães Rosa:
“O que a vida quer da gente é coragem.” E o amor também.

Autora: Danielle Vieira – CRP 06/131376

Bowlby, J. (1988). A secure base: Parent-child attachment and healthy human development. New York: Basic Books.
(Tradução brasileira: Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artmed, 2011.)

Bowlby, J. (1969/1982). Attachment and Loss: Vol. 1. Attachment. New York: Basic Books.

Ainsworth, M. D. S., Blehar, M. C., Waters, E., & Wall, S. (1978). Patterns of attachment: A psychological study of the strange situation. Hillsdale, NJ: Erlbaum.

Panksepp, J. (1998). Affective neuroscience: The foundations of human and animal emotions. New York: Oxford University Press.

Porges, S. W. (2011). The polyvagal theory: Neurophysiological foundations of emotions, attachment, communication, and self-regulation. New York: W. W. Norton & Company.

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