A psicanálise é pra todo mundo?

A psicanálise é pra todo mundo?

Venho me perguntando sobre isso há algum tempo, sem ainda ter uma resposta mas algo me leva em duas direções opostas ao pensar sobre como se alcança uma certa libertação das narrativas que aprisionam e que nos levam a formação de sintomas e sofrimento.

  • Seria a psicanálise o único método que levaria à isso? É possível pensar que uma análise é pra todo mundo?
  • Como então formular uma técnica que tem início mas não se pode prever um fim, em um mundo onde o desempenho, produtividade e velocidade são marcas registradas.
  • Como pensar em suportar o vínculo que se faz na transferência, em uma sociedade marcada pelo vazio, caraterizada pela carência de vínculos, pela não-dependência.
  • Como suportar o não-saber que transborda em uma análise em tempos de retorno ao pensamento cartesiano de “Penso, logo sou”, em uma época em que, as teorias do Ego se disseminam de diversas formas e pregam que acima de tudo, ser empreendedor de si mesmo e mentalizar positividade é fundamental para alcançar a imaginária felicidade.

Retornando ao problema inicial, penso que SIM, a psicanálise poderia ser para todo mundo, mas NÃO, ela não é para todo mundo, pelo simples fato de que muitas pessoas não conseguem suportar essa entrada em análise, esse processo é penoso, é difícil e requer uma combinação de fatores para que se possa sustentar esse desejo minimamente.

Seria então a psicanálise o único método para uma “libertação”? Tendo a pensar que de maneira autêntica SIM, mas no fundo isso é um sintoma da psicanálise, porque ela NÃO é o único método para encontrar uma narrativa própria, sabemos que a cura em psicanálise tem a ver com a possibilidade de admitir e não com a retirada do sintoma, ainda assim me parece que existem outros meios que podem conduzir o sujeito a uma vida mais ou menos confortável dentro da sua condição.

Portanto, para ser analista é preciso fazer essa travessia de se curar da psicanálise.

Sobre o fator tempo de uma análise, como sustentar um método que tem início mas não tem fim previsto, afinal trabalhamos com a subjetividade e o princípio básico é que não existe uma fórmula, essa experiência é diferente para cada um. Penso que é preciso se adaptar ao tempo em que vivemos se não estaremos fadados ao fracasso, já nos dizia Lacan, ainda assim é essencial não perder de vista o tempo não-cronológico em que se estabelece uma análise, o tempo lógico do processo.

Outro ponto importante é que vivemos e caminhamos a passos largos para outro tipo de problemática, a queda da figura do pai, a clínica do vazio, patologias do narcisismo, e problemáticas que seguem uma ordem pré-verbal, segundo Birman (2001), a subjetividade no início da modernidade era pautada pela noção de interioridade. Hoje essa noção cedeu lugar à exterioridade e ao autocentramento, quando o olhar do outro é tomado ao “pé da letra”. O mal estar na contemporaneidade se inscreve em três registros psíquicos: o do corpo, o da ação e o das intensidades. Segue também a lógica do mais rápido e sempre mais como descreve Lipovetsky (2004) sobre a cultura do excesso. 

As manifestações psicossomáticas parecem ser destaque nesse modelo de sociedade atual, tendo o corpo como protagonista, além de um notável empobrecimento na capacidade de significação. Sendo assim, o manejo da transferência muda também de direção. Aqui se faz presente a importância de conhecimento de teorias que possam incluir novas perspectivas à essa clínica contemporânea.

Por fim, a tarefa de promover uma ruptura no pensamento cartesiano não é simples, o sujeito acontece justamente nesse fragmento de penso, onde não sou; sou, onde não penso, como vai colocar Freud e depois Lacan. Em tempos de reforçamento egóico pela via do narcisismo, de lemas como “Yes, we can”, da lógica capitalista: “você tem que”, “faça isso”, “seja aquilo”, há que ter muito desejo para sustentar uma psicanálise que faz resistência, que se recusa a sucumbir ao discurso moderno e isso por si só já me parece um alívio.

Autora: Danielle Vieira – Psicanalista e Psicóloga em Bragança Paulista e São Paulo, CRP 06/131376.

Referências:

BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.         [ Links ]

BIRMAN, J. O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.   

Kallas, Marília Brandão Lemos de Morais. (2016). O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise. Reverso38(71), 55-63. Recuperado em 12 de maio de 2020, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952016000100006&lng=pt&tlng=pt.

Rocha, Zeferino. (2008). A experiência psicanalítica: seus desafios e vicissitudes, hoje e amanhã. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica11(1), 101-116. https://doi.org/10.1590/S1516-14982008000100007

 

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