Ausência de ilusão, esgotamento e o colapso emocional.

Um ano que virou dois, a falta de esperança, a incerteza e o esgotamento são sintomas preocupantes na maior parte das pessoas. Após novamente o lockdown e o fechamento de tudo de maneira ainda pior do que no ano passado, não se fala em outra coisa no consultório além do esgotamento emocional e a falta de esperança de que isso acabe, resultando em sucessivos abandonos de planos e pior, uma ausência de planos, de sonhos, de futuro, a ausência de ilusão.

A ilusão tem papel fundamental na constituição do sujeito, desde o brincar e o fantasiar somos construídos com pequenos tijolinhos de ilusão, que são responsáveis pela dimensão criativa, pela imaginação, e que fazem a ponte entre o mundo interno do sujeito e o mundo externo (realidade). A ilusão é extremamente necessária para que possamos sobreviver no mundo, é ela que nos tira do excesso de realidade, chamamos essa transformação da ilusão de cultura: a música, as artes, a comédia, o teatro e outras diversas formas de expressões criativas, desde as mais pequenas invenções do dia dia até as grandes obras.

O que acontece quando a ilusão fica suspensa? O que acontece quando a realidade se impõe de maneira sufocante e não deixa espaço para escoar a criatividade e a liberdade de ser?

Quando escuto muitas pessoas falarem do mesmo sintoma, uma ausência de tudo: de vontade, criatividade, de desejo e energia, penso que a ausência de ilusão e o excesso de realidade podem estar diretamente ligados a essa suspensão do desejo de viver.

Essa semana, vi uma notícia da BBC do reino unido, daquelas que nos atingem pelas redes sociais com um título “clickbait”, aquele título bem chamativo que busca o clique a qualquer custo, anunciando que no reino unido já foram encontrados casos de duas variantes do vírus em território britânico, mas o que me surpreendeu foram os comentários, ninguém queria mais saber da notícia, tudo o que as pessoas pediam era “parem pelo amor de Deus, vírus fazem mutações, vocês vão noticiar todas elas?”, “vocês estão acabando com nossa saúde mental, nós não aguentamos mais essas notícias, precisamos viver”, “agora que estamos saindo novamente de casa vocês ficam noticiando isso, nós não aguentamos mais”, isso me chamou atenção pelo fato de que não se trata de negacionismo mas sim de um esgotamento emocional generalizado, em quase todos os comentários o tom era o mesmo: de não ter mais condições de seguir consumindo essas notícias.

É preciso destacar que a última pandemia foi há 10 anos atrás, não existia redes sociais nessa proporção, nem imprensa buscando cliques a qualquer custo, e é possível pensar o quanto isso está impactando na saúde mental, a parte de ter que lidar com a realidade que já é trágica e também da situação econômica de muitos que foram impedidos de trabalhar, o uso das redes sociais aumentou mais de 40% na pandemia, o tempo de uso das redes, que já não era pouco antes, deu um salto ainda maior no ano de 2020, aumentando o consumo de notícias e outros conteúdos, deixando pouco espaço para criar. Não sobra espaço para ilusão.

Entre mortes e sensacionalismo, entre medo e negacionismo, entre discussões e fake news, entre lutos e irresponsabilidades, entre jogos políticos e desespero, entre hospitais de campanha e corrupção, nossa saúde mental também parece estar sofrendo um colapso. Bem aventurados aqueles que conseguem encontrar recursos internos para se manterem na linha da sanidade, aqueles que alimentam as ilusões de um futuro.

“Não abandones as tuas ilusões.

Sem elas podes continuar a existir mas deixas de viver”

Mark Twain

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